Há um tipo de vício que não se vê, mas que molda a forma como as pessoas vivem, reagem e se relacionam: o vício por emoções. Não se trata apenas de sentir, mas de repetir sensações conhecidas, mesmo que elas sejam destrutivas. É uma dependência silenciosa, construída no corpo e reforçada pela química do cérebro. Cada emoção forte libera hormônios que o cérebro aprende a reconhecer. A tristeza, o medo, a raiva — todos eles vêm acompanhados de uma descarga de substâncias que, com o tempo, tornam-se familiares. E o cérebro, em sua busca por previsibilidade e controle, prefere o familiar ao saudável.
É assim que nasce o ciclo. A mente, programada por experiências passadas, constrói um mapa mental que reconhece certos caminhos emocionais como "seguros". Mesmo que esses caminhos levem ao fundo do poço, ao limbo da dor, à repetição de padrões que machucam, ainda assim são escolhidos. Por quê? Porque são conhecidos. Porque são confiáveis para um sistema que não quer se perder na incerteza. O novo assusta. O bem-estar desconhecido causa desconfiança. Já a tristeza antiga, aquela sensação de rejeição repetida, o conflito recorrente — esses são abraçados com uma estranha intimidade.
Então o cérebro começa a provocar, inconscientemente, as situações que alimentam esse vício. Cria desentendimentos, se sabota em relações, dramatiza o cotidiano. Tudo para sentir aquilo que ele já sabe sentir. É uma forma de sobrevivência primitiva: se eu sei o que vai acontecer, mesmo que seja ruim, eu estou no controle. E o controle, para o cérebro, vale mais do que a paz.
Mas esse vício também isola. Porque quem não se move por essas emoções começa a ser lido como frio, como distante. Pessoas que quebram o ciclo emocional parecem ameaçadoras para quem ainda está preso a ele. A neutralidade vira uma afronta. A estabilidade emocional vira arrogância. E o silêncio interior, que poderia ser admirado, é interpretado como indiferença.
Existe um abismo entre quem vive no impacto emocional constante e quem escolhe um estado mais lúcido, mais sereno. Não é ausência de sentimentos. É maturidade. É a escolha consciente de não se entregar ao turbilhão que o cérebro pede. É saber que estar no fundo do poço não é natural — é apenas habitual. E hábito não é destino.
Sair desse ciclo exige coragem. Exige desintoxicar o corpo da adrenalina da briga, da dopamina da reconciliação, do cortisol da tensão constante. É aprender a habitar o vazio que existe entre o velho conhecido e o novo saudável. É sustentar o desconforto de não reagir como sempre reagiu. E aí sim, aos poucos, ensinar o cérebro que a paz também pode ser um vício. Só que dessa vez, um vício bom.
Nenhum comentário:
Postar um comentário