Há estruturas psíquicas que se cristalizam ao longo da vida como formas de defesa. Em alguns casos, isso se torna tão denso que bloqueia a capacidade plena de amar. Não se trata de ausência de sentimentos, mas de um sistema que interpreta o amor como ameaça.
No caso do narcisismo, por exemplo, a personalidade foi moldada desde cedo a partir da necessidade de sobrevivência emocional. A criança que não pôde ser acolhida de forma segura desenvolveu barreiras internas. Com o tempo, esses mecanismos se tornam tão constantes e repetidos que viram blocos rígidos dentro do corpo e da mente. Quando o afeto chega, o sistema lê aquilo como risco. A entrega é confundida com exposição, e a vulnerabilidade, com fraqueza. Por isso, mesmo que exista desejo de conexão, o corpo se protege, rejeita, paralisa ou ataca.
Essa rigidez também pode se manifestar em outros transtornos, como o transtorno bipolar, onde as oscilações emocionais intensas e repentinas geram uma instabilidade profunda. Não é apenas uma montanha-russa emocional — é uma dificuldade concreta de permanecer estável o suficiente para sustentar relações afetivas com profundidade e continuidade. Em certos momentos, pode haver verdadeira paralisia psíquica, um congelamento interno que impede o avanço no desenvolvimento emocional.
Esses padrões não são escolhidos conscientemente. Eles se tornam a forma automática de funcionar. E quando se cristalizam, não é simples desfazer. O amor, nesse contexto, exige algo que o sistema não sabe oferecer: rendição. E render-se, para esses sistemas, é equivalente a perigo. Por isso, ao menor sinal de entrega, o corpo se fecha. Às vezes rejeita violentamente. Outras vezes, afasta de forma sutil, porém firme.
O mais impressionante é que, muitas vezes, quem vive dentro desses mecanismos não enxerga o ciclo. Pode haver lampejos de desejo por mudança, por amor, por calma... mas o padrão é mais forte. E como há neuroplasticidade, mudança é possível. Só que requer coragem, disposição para encarar o medo mais primitivo: o de ser visto por inteiro.
Entender isso traz uma nova lente. A lente da compaixão lúcida. Não para aceitar abusos, mas para reconhecer que, em muitos casos, o transtorno fala antes da pessoa. O sistema reage antes da consciência. E o amor, sem espaço para pousar, vai embora.
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