“A Liberdade de Ter um Rosto Vivo”
Quantas vezes você olhou para uma foto sua e pensou: essa não sou eu?
Quantas vezes abriu a câmera frontal do celular, fez uma careta de rejeição e fechou com pressa, como se tivesse flagrado algo indesejável? Como se estivesse pegando a si mesma no pulo, mostrando um lado que não deveria aparecer.
Talvez você, como tantas de nós, tenha desenvolvido uma persona. Uma espécie de “rosto oficial” — o sorriso certo, o ângulo certo, a feição que aprendeu a usar para ser amada, compreendida, aceita. Uma máscara socialmente palatável, construída com anos de pequenos acertos e correções diante dos espelhos do mundo.
E é por isso que, quando se vê desprevenida — com a cara lavada, emburrada, emocionada, vulnerável — bate um desconforto. Uma frustração silenciosa. Algo como: cadê eu?
Ou pior: essa sou eu?
Mas e se for?
E se justamente nesse rosto cru, volátil, espontâneo, viver a sua beleza mais real?
E se sua alma tiver expressões múltiplas porque é feita de marés, de noites, de ventos e fogo?
A sua cara muda.
Ela muda quando está cansada. Quando está plena. Quando está sóbria. Quando está entregue. Quando lembra de um trauma. Quando sente prazer.
Seu rosto não foi feito pra estar pronto, congelado, igual. Seu rosto é um instrumento vivo, reagente, selvagem.
Você é uma floresta de feições. E não deveria se podar para caber num retrato.
O incômodo que você sente ao se ver não vem de uma feiura que não existe. Vem do desacordo entre o que você acha que deveria parecer e o que você de fato é.
Esse desacordo é aprendido. Foi ensinado. Você foi levada a crer que sua beleza está na constância — quando na verdade, ela pulsa na instabilidade.
É libertador reconhecer:
Você não precisa se ver linda o tempo todo. Você só precisa se ver inteira.
A Paloma que chora é tão digna quanto a que sorri.
A que se fecha, a que não sabe o que sente, a que olha de cara vazia pro nada — todas elas são você. E todas elas têm direito de existir, de serem olhadas com ternura, sem correção.
Quer uma prática real?
Sente-se diante do espelho e veja. Só veja.
Repare sem julgar. Note sem arrumar. Deixe o rosto se mostrar como está, sem tentar trazer de volta o "rosto que funciona".
Aos poucos, você vai reconhecer que você é essa pessoa, com todas essas caras, com todas essas nuances.
E quando você se acostumar com isso, vai começar a achar isso bonito.
Mais que bonito. Vai achar isso livre.
Porque ser uma mulher com um rosto livre é revolucionário.
É negar a domesticação da expressão.
É dizer: “essa sou eu — hoje assim, amanhã não sei, e tudo bem.”
Que a gente escolha amar as nossas feições móveis, instáveis, reais.
Que a gente ache beleza até nas dobras do cansaço, na secura do olho, no canto da boca que não se animou.
Porque tudo isso é a prova de que estamos vivas. De que temos alma.
E nada é mais bonito do que uma alma que se mostra.
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